Ei, Superministros, deem poderes aos pequenos inovadores!

Cris Ferri
6 min readJan 15, 2019

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Há anos espero um governo que puxe a agenda da modernização da máquina pública; aquele comprometido em diminuir a burocracia, gerar eficiência em todos os níveis, reduzir (ou eliminar) a interferência política casuística e (enfim!) promover a inovação como meio mais rápido e menos custoso para atender o cidadão da melhor forma possível.

Será que chegou a hora? Estou dando um voto de fé nessa promessa do Governo Bolsonaro. E falo isso com esta nota de rodapé: para mim, não importa se o governo é de direita, de esquerda, de lado, de quina, de cabeça-para-baixo. Como servidor público há 25 anos, estou sempre torcendo para que as melhores ideias e práticas de eficiência se imponham na administração pública. E estou mais do que pronto para ajudar nisso.

Claro que há excessos, desperdícios e privilégios no serviço público que estão com os dias contados. Já passou da hora de enxugar o Estado. Isso só não pode ser feito, como é comum, infelizmente, para favorecer empresários amigos de políticos, donos de empresas que vão ganhar milionários contratos de terceirização ou concessão de serviços públicos e outros benefícios que levam de empreitada o interesse social. E ainda usam tais empresas para botar apaniguados: uma forma modernizada e disfarçada de clientelismo, quando não de nepotismo, com a roupagem bonita de “estarmos diminuindo o custo da máquina estatal, terceirizando atividades não essenciais ao serviço público”.

Bom, mas esse é outro assunto. O que quero discutir aqui são os efeitos de EFICIÊNCIA (ou de sua falta) que a criação dos superministérios pode gerar. Entendo — até certo ponto — que muitas dessas pastas foram se multiplicando em ministérios, secretarias e departamentos nos últimos anos para atender as “necessidades” do presidencialismo de coalizão e assim garantir a governabilidade.

O que vemos agora com o Governo Bolsonaro é a fusão de ministérios, condensando pastas e departamentos inteiros. No entanto, se não vier acompanhada de outras mudanças, essa medida pode ter apenas um efeito simbólico, o de fazer parecer que se está reduzindo a burocracia e o tamanho do Estado, ou ainda pode gerar o efeito contrário, ou seja, mais ineficiência. Faço agora um alerta construtivo.

Quando se transformam ministérios em secretarias ou departamentos, dentro da aba de um ministério maior, cria-se mais uma instância de decisão, que é a do superministro. Estou cansado de ver colegas do “chão de fábrica” do serviço público, cheios de ideias inovadoras, serem barrados pelo “preciso que o chefe autorize, que o chefe do chefe autorize, que o chefe do chefe do chefe autorize até chegar ao ministro”. E agora, ao superministro.

O que precisamos fazer, então? Tenho algumas ideias, que não são minhas, na verdade. Há muita gente discutindo isso por aí. Vou sintetizar algumas que me parecem urgentes.

Empoderamento da inovação na base

Fundir órgãos sem se dar autonomia a inovadores e gestores na base do serviço público só vai piorar o problema da ineficiência causada pela burocracia. Num mundo cada vez mais volátil e complexo, formatos organizacionais mais ágeis e descentralizados são necessários. Nesse sentido acho interessante a holocracia, método de gestão de organizações que prima por conceder autonomia de ação para pequenas equipes espalhadas na organização, baseadas no cumprimento de propósito bem alinhado e no pleno exercício das potencialidades de cada membro da equipe.

Assim, as equipes serão avaliadas pelos resultados efetivos que apresentem para a organização. O blog Corporate Rebels faz um mapa atualizado de boas práticas de gestão inovadora em organizações com base no princípio de autonomia e valorização do indivíduo.

Será que não podemos ou devemos testar métodos similares para melhorar a eficiência no serviço público? Acredito que, ao se atribuírem os poderes de pensar e desenvolver inovação a qualquer servidor e gestor, com possibilidades de experimentação e aprendizados rápidos, vamos resolver vários dos pequenos problemas da burocracia que, solidificados por anos, acabam mantendo essa cultura da morosidade, da ineficiência e da pouca inovação em muitos setores.

Felizmente, alguns servidores públicos conseguem resistir a tal cultura e a inovar de maneira sistemática, apesar das inúmeras dificuldades. Mas esse jogo tem de mudar. A inovação deve ser facilitada em larga escala. E acho difícil alcançarmos isso sem autonomia na ponta, lá onde nascem os serviços. Ter de pedir autorização ou validação a um sem-número de instâncias hierárquicas para poder trabalhar com coisas novas, não dá mais.

É bom que se pondere, antes de avançarmos para o item seguinte, que não defendo a inovação pela inovação, mas sim quando novos métodos, procedimentos e formas de agir no serviço público trazem mais rapidez, menor custo de tempo ou valor e mais transparência aos resultados operacionais da máquina estatal. E resultados aqui devem ser entendidos sob a ótica não apenas dos gestores públicos, mas sobretudo sob aquela do cidadão.

Capacidade para inovar

Hoje em dia, os profissionais mais requeridos pelas organizações inovadoras do planeta precisam mostrar capacidade de desenvolver as chamadas soft skills, tais como o pensamento crítico, negociação, colaboração, flexibilidade e adaptabilidade, bem como uma postura de aprendizagem contínua, a longlife learning. Assim, servidores preparados com tais habilidades, próprias do nosso tempo, serão capazes de trabalhar em qualquer área e resolver os grandes problemas do serviço público.

Assim, competências sociais e comportamentais começam a ser mais relevantes do que competências técnicas. Ou seja, um servidor que trabalha no Ministério da Educação, por exemplo, pode ser um excelente especialista em política de educação, mas será muito mais estratégico e útil para o ministério se acrescentar ao seu conhecimento técnico algumas das habilidades denominadas de soft skills, tais como capacidade de negociação, empatia e colaboração.

No entanto, de forma geral, tais competências não são exigidas nos concursos públicos, não é mesmo? Solução para isso? Capacitar, capacitar e capacitar. Vamos investir maciçamente em capacitação dessa força de trabalho, superministros!

Avaliação de desempenho

Acho que chegou a hora de termos formas reais e eficazes de avaliação de desempenho dos servidores públicos. Diversos órgãos públicos apresentam avaliações muito básicas e pouco efetivas, mais comprometidas com o bem-estar dos chefes do que com a boa-gestão das repartições. Sabe aquela avaliação que o chefe faz do seu funcionário? Pois é, não raro, essa avaliação o faz cair numa dupla armadilha: se for muito rigoroso na avaliação pode provocar o descontentamento geral da equipe; se for muito brando, o pessoal tende a não se esforçar muito na melhoria do desempenho. É difícil achar o ponto certo dessa avaliação, que coloca muito peso sobre o chefe. E, sinceramente, na nossa cultura brasileira de não querer desagradar o outro, métodos assim não funcionam.

Por isso, temos de pensar em formas melhores, mais eficientes de avaliação de desempenho, principalmente com foco em RESULTADOS. O sistema Objectives and Key-Results (OKR) me parece bem interessante como referência. Aplicado inicialmente no Google e depois utilizado por várias outras empresas e organizações, o OKR prima pela definição de dois elementos básicos: a) toda organização deve ter objetivos definidos, comunicados de forma bem clara e concisa; b) estabelecer resultados claros a serem alcançados por meio de metas concretas e mensuráveis de acordo com os objetivos.

Nesse vídeo, o autor John Doerr explica de maneira simples como funciona a OKR.

Será que não podemos adaptar esse método de alguma forma para administração pública?

Se conseguirmos avaliar a performance de servidores com base nos resultados apresentados, estará pronta a base para estabelecermos modelos de trabalho mais eficientes e menos dispendiosos para o serviço público. O trabalho remoto é algo que tem funcionado bem para algumas instituições privadas e públicas e merece ampla expansão no Estado.

Existem muitos outros fatores para discutirmos nessa agenda de desburocratização, modernização da máquina e enxugamento dos gastos públicos. Mas fico por aqui e com este último alerta: reduzir por reduzir, cortar por cortar, sem fazer a gestão da transição para um novo modelo de serviço público, pode criar confusão desnecessária e descontinuidade de serviços públicos importantes para a população. E, da parte dos servidores públicos, é hora de ser mais protagonista dessas mudanças, em vez de usar a tática antiquada e pouco eficiente de defesa do corporativismo.

Cris Ferri é servidor público federal de carreira há 25 anos e gestor de inovação na Câmara dos Deputados

créditos da imagem do Congresso Nacional no topo do artigo: Arthur Cordeiro

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Written by Cris Ferri

Gestor e professor de inovação na área pública, curioso incansável, eterno inquieto, apreciador da boa cerveja e motorista de filhos.

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