Por que é gostoso falar mal de servidor público?
O serviço público brasileiro é objeto frequente de notícias negativas na grande mídia nacional. Os problemas mais comuns são velhos conhecidos nossos: privilégios absurdos (como supersalários, mordomias, férias excessivas), falta de qualidade dos serviços prestados à população, morosidade e negligência no atendimento ao público e valor alto de despesas de custeio.
Vou te dizer uma coisa: sim, já cansei de ver colega servidor que não quer saber de trabalhar, que está ali só pensando em se beneficiar, sem comprometimento com o trabalho e por aí vai. Quem trabalha bem sofre sempre com a picaretagem de alguns colegas, não necessariamente a maioria.
O servidor comprometido sofre com a falta de impunidade dos picaretas, sofre com o acúmulo de trabalho que vem para você por conta da prevaricação de alguns colegas, sofre quando vê privilégios e mordomias de alguns servidores e agentes de Estado.
E sofre muito mais com a indiferença quase geral que tal atuação omissiva provoca no ambiente de trabalho. É como se esse ambiente estivesse contaminado por um vírus que inocula nos participantes em redor total descaso com a situação funcional.
Mas o que é mais dolorido, pelo menos para mim, é a generalização desses males que a mídia e certos grupos de interesse tentam impor sobre o funcionalismo como um todo. Obviamente, entendo que fazer notícia mostrando trabalhos ótimos realizados por servidores públicos não dá audiência para o noticiário nacional.
Entretanto, a grande mídia brasileira gera desinformação quando frisa − quase que generalizadamente − os pontos negativos do grupo minoritário de privilegiados e prevaricadores do serviço público.
A mídia passa a impressão de que o serviço público é apenas um grande grupo formado exclusivamente de marajás e pessoas preguiçosas. O efeito psicológico dessa marcação da imprensa sobre a grande massa de servidores públicos comprometidos tem sido devastador. Tenho encontrado monte de colegas servidores absolutamente desmotivados! Nunca vi nada igual em vinte e sete anos de carreira.
Mas, mesmo que sangrem, precisamos cutucar algumas feridas para tentar explicar essa campanha de difamação contra o serviço público. Muita gente tenta fazer concurso público, inclusive jornalistas de grandes veículos, e por vários motivos justificáveis, não consegue passar. Sim, acho que há boa dose de inveja e ciúme dos hoje melhores salários em regra e da situação de estabilidade do serviço público, o que trabalhar na iniciativa privada não dá.
No entanto, não é pouco se preparar durante anos, passar num concurso público, submeter-se às regras gerais e justas de reservas de quotas de cunho social, para obter sucesso depois de ter enfrentado vários certames, como no meu caso e de quase todos os candidatos. Foram anos de esforço e privações.
E quando assumimos, somos obrigados a lidar com um tanto de situações desagradáveis e frustrantes, desanimadoras mesmo! Essas que elenquei aí em cima significam apenas pequena parte das chagas clássicas da burocracia pública. Em outro artigo, abordei alguns dos problemas políticos que impactam o serviço público também.
Essa evidente campanha de difamação camufla interesses estranhos… Quer dizer, para mim não são mais tão estranhos. Há muitos setores do mercado que preferem um Estado menor, com um serviço público restrito, fraco e insuficiente.
Assim, eles podem explorar economicamente serviços e produtos que deveriam ser realizados prioritariamente por servidores públicos, principalmente para atender aos mais necessitados, como saúde, por exemplo.
Então, em linhas gerais, assim funciona a estratégia de enfraquecimento do serviço público:
a. Desenvolve-se ampla campanha de difamação da mídia com foco em notícias sobre irregularidades de uma minoria de servidores, a exemplo de casos de corrupção, mordomias, altos salários e incompetência. A estratégia é fazer parecer que tais práticas ocorrem de forma generalizada em todo serviço público.
b. Realiza-se certa reforma administrativa sem a participação dos servidores na sua elaboração, mediante gratuito e prévio diagnóstico negativo, com objetivo maior de precarização do serviço público, mesmo que resulte em algumas eventuais mudanças positivas. Assim, o fim da estabilidade, a permissão facilitada para contratações temporárias e a terceirização facilitada de serviços são alguns dos itens em discussão.
c. Desidrata-se o serviço público, paralelamente a uma série de outras medidas mais sorrateiras que estão acontecendo. Por exemplo, evita-se a realização de novos concursos públicos por prazo indeterminado, diminuem-se recursos e estruturas para capacitação de servidores, aumentam-se cargos de confiança por indicação política, aumenta-se sem estudo técnico a contratação de trabalhadores terceirizados e extinguem-se cargos desocupados por servidores aposentados.
Assim, o resultado final desse processo a longo prazo poderá ser um serviço público menos preparado para lidar com os problemas complexos do nosso tempo, menos resiliente para resistir aos desmandos de grupos políticos e mais dependente das corporações privadas para a prestação de serviços.
Entendo, por fim, que deve existir equilíbrio entre as ações que busquem a melhoria dos serviços públicos de maneira geral, nos três níveis federativos e nos três poderes do País, ao lado da necessária proteção que seus servidores requerem para ombrear, de forma justa e republicana com tais interesses políticos e econômicos.